Estava eu a tomar o meu pequeno almoço do costume, uns belos testículos de boi-almiscarado polvilhados com caspa de morcego da Mongólia, quando me lembrei da noite anterior. "Não venhas com conversas menos próprias ou sobre bebedeiras!" Vocês não perdoam, ainda nem comecei a aparvalhar e já me estão a bater. Nada disso, ontem à noite fui vender cachorros quentes para a baixa, e apareceu a ASAE. Ou deverei dizer a PIDE? Não, agora a sério, fui andar de bicicleta, descer aquelas belas escadas todas polidas e íngremes que quase me levavam ao céu (não em termos de prazer sexual, mas sim porque ia caindo de forma grave e aí iria falar com Deus na mesma mesa. Olha que giro, um parêntesis! "Oh Tiago, já enjoas com os parêntesis!" Também vocês já enjoam com o cheiro a fritos e eu não me queixo, sim? Pronto, só por causa disso hoje fecho mais cedo.), ficando toda a gente a olhar. Havia três tipos de gente a olhar: os que admiravam o grupo de ciclistas a descer as escadas a alta velocidade, os que olhavam para as bicicletas e pensavam numa maneira de as roubar, e os bêbedos, que olhavam para nós mas nem nos viam. Pelo meio, fizemos algumas paragens, onde confraternizámos com pessoas (acho que lhes posso chamar isso), no mínimo, estranhas. Um homem de bigode e camisa aberta até meio, com uma bebedeira maior do que a do Jorge Palma ao fim da noite, perguntou se estávamos a andar de mota pelas escadas. A nossa sorte foi que os sorrisos que esboçámos ficaram tapados pelos capacetes, porque senão a faca de talhante que ele tinha na mão para tratar das bifanas ia ter alguma utilidade. Também tive uma experiência de conversa com uma coisa que nunca tinha visto na vida: um rapaz na casa dos 20 anos com trissomia 21... bêbedo. Tentem ficar um minuto sem rir ao imaginar esta personagem que veio falar comigo... Estão a ver? Também não aguentaram. Eu bem que tentei, mas tive de fingir que estava com um problema na roda da frente, disse-lhe que tinha pisado um esquilo e ele riu-se a bandeiras despregadas. Pelo menos deixou de falar comigo. "Ai Tiago, és mesmo mau!" Eu não sou, Deus é que gosta de me testar. E normalmente chumbo nos seus testes, com brutas negativas. Quando tirei o meu esquilo imaginário da roda, o moço perguntou-me: "Quantos é que vocês são?" Éramos três, mas ele não conseguia perceber. Eu levantava um dedo de cada vez: Um, dois, três. Mas o rapaz não era da mesma opinião, dizia que éramos seis. Lá está, comprova-se que o álcool faz ver a dobrar. Aproveitei esse facto e disse-lhe que íamos atrás dos elefantes em bicicletas com rodinhas, de auxílio e como tal tínhamos de ir embora. Mais à frente, já nas ruas das esplanadas, foi necessário um esforço heróico para não tirar os pés dos pedais. "Porquê? Custa muito pôr os pés no chão?" Vocês são mesmo chatos. Não, não custa, simplesmente dá mais trabalho voltar a pedalar quando estamos rodeados de gente por todos os lados. Parece que éramos invisíveis, apesar das protecções todas que usávamos e do grito que o mendigo deu quando tentei saltar por cima dele e aterrei nos seus coisos. À parte disso, ainda pisei uns quantos pés e também duas mãos de um rapaz que já estava em coma àquela hora da noite. Já na Avenida da Liberdade, quando esperávamos pelo carro para irmos embora, vieram dois homens falar comigo. Só tinham uma coisa em comum: eram draga-minas (dá-na-fruta, arruma-aqui, ena-man-tá-a-bater-bue). De resto, eram completamente diferentes. Um era gordo que nem um chibo, o outro era mais magro do que um poste de sinal de trânsito. Um era africano, o outro era branco sujo por não tomar banho desde o último milénio. Um tinha uma trunfa para cima, o outro tinha o cabelo escorrido para baixo. Ah, e o branco sujo ainda tinha um top vestido para mostrar o umbigo. Como estava a dizer, vieram falar comigo e disseram: "Mano, não me arranjas uns trocos para comer?" Eu já sabia a frase de cor, só que estremeci quando ele disse "para comer". Quero dizer, vêm com ar de quem precisa de cavalo nos próximos dois minutos e dizem "para comer"? Pensam que eu sou parvo? Só por causa disso não lhes dei nada. Até porque também não tinha. "Epa, obrigado na mesma mano, obrigado, a sério." Primeiro: nunca se agradece quando não recebemos o que queríamos. Segundo: como é que eles me estavam a chamar "mano" se não me conheciam? E mesmo que conhecessem, seria impossível saberem quem eu era, porque um capacete integral e uns óculos de ski, juntamente com a armadura e afins, não dá para reconhecer ninguém, nem que fosse a Adriana Lima. Por falar nessa moça, ela está a chamar-me para lhe fazer uma massagem na orelha esquerda. Vou indo, que não se deixa pessoas feias à espera. Beijinhos na pedaleira da bicicleta do Carrefour que têm na arrecadação.
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